
Recomendação SBB 01/2021
Ensaios clínicos com medicamentos e vacinas candidatas contra a Covid-19:
utilização ética de placebo, seu uso, justificativa e limites e
direito ao acesso pós-estudo aos produtos que se mostrarem eficazes e seguros
Aborda aspectos éticos da utilização de placebo em ensaios clínicos com medicamentos e vacinas candidatas contra a COVID-19 e o direito ao acesso pós-estudo aos produtos que se mostrarem eficazes e seguros;
Enfatiza as indicações, a justificativa e os limites de braço placebo em ensaios clínicos randomizados no enfrentamento da pandemia da COVID-19 no Brasil.
Utiliza a Resolução CNS/CONEP 466/2012, que normaliza as pesquisas que envolvem o ser humano no Brasil, em especial suas diretrizes relacionadas com o uso de placebo e o direito ao acesso pós-estudo em ensaio clínico de fase III;
Inclui normas internacionais relacionadas à ética em pesquisa que envolvem o ser humano, especialmente diretrizes do CIOMS/OMS, da Associação Médica Mundial - Declaração de Helsinque e da UNAIDS/OMS;
Reforça a imprescindibilidade do SUS, incluindo a ANVISA e o Programa Nacional de Imunização e dos laboratórios públicos, na aprovação, produção, distribuição, aplicação e acompanhamento em longo prazo das vacinas e medicamentos aprovados, de modo emergencial e/ou definitivo;
Reforça as recomendações da SBB (Recomendação 01/2020), especialmente a necessidade de alocação de recursos adequados para o Sistema Único de Saúde, a proteção aos mais vulneráveis, o direito de acesso ao melhor tratamento cientificamente comprovado para todas e todos pelo SUS e o uso igualitário das tecnologias em saúde, além de enfatizar o papel da ciência na decisão sobre acesso, e se contrapõe ao uso político nestas decisões.
A Sociedade Brasileira de Bioética,(1) a partir de deliberações da Diretoria Executiva, considerando:
- A Recomendação 01/2020 da SBB;(2)
- A contínua expansão da pandemia da COVID-19 em âmbito mundial e, especialmente o recrudescimento das infecções no Brasil e a falta de governança em seu enfrentamento;
- O envolvimento dos atores da sociedade civil, das diversas áreas de conhecimento, da ciência e do Sistema Único de Saúde na busca de métodos eficazes e seguros, eticamente corretos, para a prevenção, tratamento e controle da pandemia;
- A necessária expansão das pesquisas visando desenvolver tratamentos para o controle da pandemia, reforçando que até este momento não há qualquer tratamento farmacológico que tenha se mostrado eficaz para prevenir ou controlar a infecção pelo SARS-CoV 2;
- A liberação emergencial em 17 de janeiro de 2021, pela ANVISA, de duas vacinas que se mostraram seguras e eficazes em ensaios clínicos de fase III - a Coronavac, desenvolvida pela Sinovac em associação com o Instituto Butantã e a AZD1222, desenvolvida pela Universidade de Oxford/Astra Zeneca e que será produzida pela FIOCRUZ;
- A imprescindibilidade de reforçar o Programa Nacional de Imunizações para garantir a disponibilização ágil, equitativa e para toda a população, pelo SUS, destas duas e de outras vacinas e medicamentos que sejam aprovadas no futuro, visando o efetivo controle da COVID-19;
- A necessidade de aumentar o apoio e o financiamento em todos os aspectos relacionados ao esforço para o controle da pandemia – entre eles, a proteção dos socialmente mais vulneráveis; ao financiamento e investimento adequado para o Sistema Único de Saúde (SUS); ao respeito e expansão do financiamento à ciência brasileira; a publicização de informações cientificamente comprovadas, de maneira clara, tempestiva e transparente para toda a população;
- O posicionamento de diretrizes éticas internacionais em ensaios clínicos randomizados, que ao serem comparadas com as diretrizes da Resolução CNS/CONEP 466/12,(3) tem normas menos restritivas, menos protetivas em relação ao uso de placebo, e com redução de direitos pós-estudo ao participante da pesquisa. Entre as normas internacionais encontram-se As Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas relacionadas à Saúde envolvendo Seres Humanos, CIOMS/OMS 2016,(4) as Considerações Éticas em Ensaios Biomédicos de Prevenção do HIV, UNAIDS/OMS(5) e a Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (2013).(6) Seus respectivos itens relacionados ao uso de placebo estão listados em Anexo;
- Que no Brasil a Resolução 466/2012 do CNS/CONEP (6) se posiciona de maneira clara sobre a eticidade, a proteção dos participantes, os limites da utilização de placebo e seu direito ao acesso pós-estudo. No item III, Dos Aspectos Éticos da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, está definido que as pesquisas devem atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes e especialmente em III b) e III.d) copiados a seguir, sobre a utilização de placebo e os direitos dos participantes pós-estudo:
Item III b): “ ter plenamente justificadas, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não maleficência e de necessidade metodológica, sendo que os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de um novo método terapêutico devem ser testados, comparando-o com os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isso não exclui o uso de placebo ou nenhum tratamento em estudos nos quais não existam métodos provados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento”;
E III.d. “assegurar a todos os participantes ao final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes:
d.1) o acesso também será garantido no intervalo entre o término da participação individual e o final do estudo, podendo, nesse caso, esta garantia ser dada por meio de estudo de extensão, de acordo com análise devidamente justificada do médico assistente do participante.”
- Acertada a aprovação com a utilização de placebo como controle nos ensaios clínicos das duas vacinas aprovadas no Brasil, tendo em vista que não havia qualquer vacina anteriormente aprovada.
Assim a SBB recomenda que:
- A partir da aprovação de vacinas ou medicamentos pela ANVISA para uso emergencial e/ou definitivo, os participantes do grupo placebo devem ter acesso imediato aos produtos que se mostrarem seguros e eficazes. Cumpre destacar que este direito está claramente especificado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pela CONEP;
- Todas as pessoas que recebem uma das vacinas aprovadas de modo emergencial devem ser acompanhadas por tempo adequado em estudo equivalente à fase IV, também denominada Farmacovigilância. Isto é imprescindível para detectar e definir efeitos colaterais previamente desconhecidos ou incompletamente qualificados, assim como avaliar os níveis e a durabilidade da proteção que podem estar relacionados às especificidades dos vacinados;
- Em ensaios clínicos com novas vacinas candidatas, o grupo controle com placebo só poderá ser utilizado caso sejam recrutadas populações com características diferentes (p.ex., outros grupos etários, grávidas, etc) das que participaram nos estudos que justificaram a autorização emergencial pela ANVISA para a Coronavac e para a AZD 1222. Vale lembrar que estas já foram aplicadas em mais de 71 milhões de pessoas em todo o mundo (dados de 26/01/2021) e que tem se mostrado seguras e eficazes. Esta recomendação também se aplicará quando houver medicamentos avaliados em ensaios clínicos controlados, aprovados pela CONEP e autorizados pela ANVISA;
- O uso igualitário das vacinas e de eventuais medicamentos desenvolvidos e aprovados para a COVID-19 seja disponibilizado exclusivamente pelo SUS, e reforça o inequívoco papel da ciência nas decisões sobre acesso a esses produtos, se contrapondo ao seu uso político.
Brasília, 27 de janeiro de 2021.
Dirceu Bartolomeu Greco
Presidente
SBBRecomendacao-PlaceboEAcesso-MedEVac-2-2020-Covid-27Jan21
DOWNLOAD E ACESSO TAMBÉM PARA:
COMUNICADO-CONEP-Vacinacao-dos-participantes-de-pesquisa-do-grupo-placebo
Imagem de capa: Google/WHO/Shutterstock