É salutar que uma sociedade possa se beneficiar dos avanços tecnológicos eticamente estabelecidos de seu tempo – o que representa uma luta histórica da bioética, inclusive. Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Bioética congratula o Conselho Federal de Medicina pela edição da Resolução 2.314/2022, que regulamentou a telemedicina em território brasileiro.
Dentre os avanços, pode-se ressaltar a autorização para as diversas modalidades de telemedicina e a ratificação de direitos de pacientes, que poderão, a qualquer momento, rejeitar que a relação médico-paciente ocorra no ambiente virtual, entre outros avanços.
A telemedicina ganhou especial relevância durante o combate à pandemia de Covid-19, pois explicitou os benefícios do uso adequado da tecnologia em proteção à saúde nos momentos de maior vulnerabilidade. E, uma vez consolidada a experiência, não se pode ignorá-la – não se pode apagar da memória o soar do sino que soou.
Todavia, causa estranhamento o art. 19 da Resolução 2.314. Embora reforce sua preocupação com os princípios do SUS, preocupação compartilhada pela SBB, a normativa estabeleceu que os serviços de telemedicina não poderão substituir os serviços médicos presenciais.
A proteção dos mais vulneráveis é constante e incansável. E nisso é preciso dizer que o acesso à internet no Brasil ainda não é um direito fundamental consolidado, de modo que não se pode condicionar o acesso ao SUS à propriedade particular de dispositivos com acesso à internet. Todavia, não se pode ignorar que a telemedicina tem fundamental contribuição ao SUS em diversas frentes, inclusive quando não é possível realizar o atendimento presencial.
Não se pode ignorar, por exemplo, os diversos programas já existentes e consolidados no SUS de utilização de telemedicina para a teleinterconsulta ou o telediagnóstico. O fato de o serviço médico especializado de diagnóstico não ser presencial não impede que seja realizado.
Se prevalecer o texto do art. 19 da nova Resolução do CFM, está se criando alguns problemas de ordem jurídica e bioética:
1) Usurpação da competência exclusiva do SUS para regular suas políticas públicas;
2) Desrespeito ao princípio da igualdade no SUS e saúde suplementar ou particular;
3) Desrespeito ao direito fundamental à saúde de cidadãos brasileiros, que pode, também, ser efetivado pela telemedicina.
Assim, a Sociedade Brasileira de Bioética saúda o Conselho Federal de Medicina pela regulação da telemedicina no Brasil, mas alerta a potencial restrição de direito fundamental à saúde que implicará o texto normativo acerca da telemedicina no SUS.
Sociedade Brasileira de Bioética
RESOLUCAO-CFM-2314_2022-TELEMEDICINA
Define e regulamenta a telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação. Publicada no D.O.U. de 05 de maio de 2022, Seção I, p. 227.
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