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Será preciso uma dose superextra de otimismo para brasileiras e brasileiros contarem com dias melhores em 2023, 2024, 2025...

 

O ano é 2023: o que nos reserva o futuro?


Elda Bussinguer*

 

O desmonte das instituições democráticas e o processo de esfacelamento da institucionalidade nacional
são realidades inegáveis, 
por mais que lutemos para manter a esperança e a fé
na democracia e na capacidade de recuperação nacional

 

 

A polarização na política nacional vem tomando dimensão inimaginável quando comparada a momentos pretéritos, especialmente quando se analisa o período pós-ditadura militar, conhecido como redemocratização do país.

 

Discursos de ódio, fomentados no bojo da disputada eleitoral, vêm alimentando um ciclo de violências que nos levou a um legado de mortes e apagamento de adversários, pelo simples fato de alguém assumir-se como eleitor ou defensor de um determinado candidato ou partido.

 

O medo, por razões diversas, e a esperança são sentimentos comuns, experimentados por defensores de ambos os lados, que se revezam em manifestações e discursos que se referem ao futuro, ora como carregado de esperança se seu candidato sair vitorioso, ora de riscos se o opositor se fizer vencedor.

 

Como otimista por natureza, sigo firme na esperança de que o ciclo de barbáries e incivilidades no qual estamos mergulhados seja descontinuado a partir de 2023.

 

Como cientista da área das ciências sociais aplicadas, do Direito em particular, e tomando como fundamento as evidências que devem nortear análises de base científica, que se distanciem do senso comum, tenho que conter toda e qualquer expectativa de que viveremos, no próximo mandato, um ciclo de prosperidade, paz e reconstituição do patamar civilizatório anterior ao atual governo.

 

O cenário é trágico o suficiente para nos convencer de que a esperança, por mais que precise ser alimentada como forma e estratégia de sobrevivência ao caos e ao pessimismo paralisante, não pode nos cegar o entendimento e a capacidade de analisar a conjuntura com a frieza que o momento requer.

 

O desmonte das instituições democráticas e o processo de esfacelamento da institucionalidade nacional são realidades inegáveis, por mais que lutemos para manter a esperança e a fé na democracia e na capacidade de recuperação nacional.

 

A fome, que atinge hoje mais de 33 milhões de brasileiros, entre eles crianças em período de formação determinante da consolidação de suas capacidades neurais, trará consequências nefastas.

 

O futuro nos mostrará as implicações de toda uma geração condenada a viver a existência com as sequelas da restrição alimentar e as dificuldades pessoais e sociais por elas determinadas.

 

O desmonte da educação, o subfinanciamento e o desvio de recursos para alimentar o submundo da política e da corrupção no MEC, com a aquiescência do Congresso Nacional, mostrarão o custo irrecuperável em décadas.

 

O próximo governo, por mais que se dedique à reparação e a uma política de investimento radical na Educação nacional, não terá o tempo e nem as condições reais para a reversão dos retrocessos legislativos e da cultura do negacionismo, da desigualdade e da ignorância implantados no país.

 

O SUS, maior sistema público e democrático de saúde do mundo, foi atingido em sua matriz. Por mais que o próximo governo assuma a saúde como política social prioritária, recebendo recursos em volume suficiente para fazer frente às necessidades de saúde da população, jamais conseguirá dar conta dos milhares de sequelados da Covid, dos adoecidos pela fome e pelo desemprego, pela epidemia de depressão e desesperança que consomem a saúde e a paz.

 

As violências, fomentadas como política pública prioritária do atual governo, deixarão rastros que não poderão ser revertidos em décadas de políticas educacionais e sociais de busca por igualdade, justiça e paz.

 

Os milhões, pobres e ricos, que se assumiram conservadores radicais, intolerantes, arrogantes, meritocráticos, misóginos, defensores das armas, inimigos do diálogo, racistas, defensores da ditadura, antidemocráticos, anticiência, alimentadores de um cristianismo violento, perseguidor, baseado no ódio e não no amor, não voltarão ao status quo anterior.

 

Gostaram do destaque que tiveram, ao sair do ostracismo e encontrar seu lugar de fala, que não exige grandes dedicações e incursões intelectuais e análises complexas de natureza econômica, social e política, mas que se sustenta no senso comum de fácil digestão e compreensão.

 

O futuro nos será difícil e sofrido. A decepção pela impossibilidade de cumprir plenamente as promessas de recuperação da dignidade nacional e pessoal, da soberania, da democracia, da justiça, da igualdade, da saúde, da educação e da paz cobrarão um custo muito alto do próximo presidente.

 

Chegamos ao fundo do poço, em um estágio de difícil recuperação. Os defensores da democracia, trabalhadores, empresários, políticos, estudantes, precisarão se unir a partir de seus pontos de convergência, sabendo que há um custo a ser pago para a recuperação da nação.

 

Esse custo precisará ser compartilhado por todos, lembrando, entretanto, que para uma parcela significativa da sociedade não há mais o que oferecer. Aqueles que até aqui foram beneficiados precisarão reconhecer que a paz social exige equidade e democracia.

 


 

* Elda Bussinguer é presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética, pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV.

 

Publicado pelo Jornal A Gazeta (ES), edição de 19/07/2022.

 

 

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