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Violência contra mulheres: texto de Elda Bussinguer retrata uma realidade que precisa ser permanentemente lembrada

 

Por que mulheres ainda são mortas por homens
que fizeram parte de suas vidas?

 

Esse é apenas um dos aspectos da violência contra a mulher.
A tolerância aos pequenos atos de violência vai pavimentando o caminho rumo ao feminicídio

 

Elda Bussinguer*

 

Fenômeno de abrangência mundial, a violência contra as mulheres atinge índices alarmantes no Brasil. Ela é, sem qualquer sombra de dúvidas ou questionamento da comunidade científica, fruto do machismo estrutural e institucional que continua a existir no país e que está entranhado na cultura pátria de forma a tornar seu enfrentamento algo de difícil, mas não impossível, solução.

 

Se o machismo foi construído, arquitetado e edificado socialmente, e não é um dado constitutivo da natureza humana, ele pode ser desconstituído, apesar de todas as dificuldades inerentes à elaboração de um desenho racional e factível de políticas públicas que possibilitem a implantação de um projeto civilizatório indispensável ao desenvolvimento da nação brasileira.

 

A desigualdade de gênero e, em decorrência dela, a violência contra as mulheres, são problemas endêmicos, disseminados em todo o território nacional, apesar da grandiosidade do país e da diversidade social, econômica e cultural implícita às assimetrias regionais. Elas estão presentes, apesar de, muitas vezes, se manifestarem e se evidenciarem de formas diferentes, em todas as classes sociais, meio cultural ou condição econômica.

 

Nesse momento, os dados indicam que o problema começa a assumir características epidêmicas, já que os números apontam para um aumento significativo de casos, o que eleva o nível de preocupação de todos os atores envolvidos, de alguma forma, com o problema.

 

Apesar da promulgação da Lei Maria da Penha que, em 2006, trouxe esperança de que a violência contra as mulheres fosse enfrentada devidamente, considerando a potente e estratégica legislação, fruto de lutas das mulheres pelo direito de não serem violentadas em razão de seu gênero, e dos avanços inegáveis alcançados, o problema continua mostrando sua grandeza e dimensão superlativa.

 

Mesmo diante do estabelecimento de políticas públicas estratégicas, direcionadas à redução dos índices de violência contra as mulheres, a situação se mostra grave. Ainda carecemos de concepções inovadoras que busquem articular-se com os diferentes setores, estatais e não estatais, no sentido de construir um modelo de sociedade onde haja mais justiça, igualdade e liberdade para que todos, homens e mulheres, possam desenvolver suas potencialidades contribuindo para a construção de um Estado verdadeiramente democrático.

 

A pesquisa “Visível e Invisível, a vitimização das mulheres no Brasil”, realizada pelo Instituto Datafolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), sobre as diferentes formas de violência física, sexual e psicológica, sofridas por mulheres em 2022, indica que, diariamente, 51 mil mulheres sofreram violência em 2022.

 

Se considerarmos que cada vítima sofre uma média de 4 agressões por ano, outro dado trazido por tal pesquisa, concluiremos que o problema requer um olhar mais estratégico e ousado dos responsáveis diretos pela garantia da efetivação dos direitos das mulheres.

 

A tolerância aos pequenos atos de violência contra as mulheres, naturalizados no cotidiano da família, do trabalho, da escola, das instituições e em todos os demais espaços públicos ou privados, vai pavimentando o caminho rumo ao feminicídio.

 

As manifestações de violência se dão por meio de piadas carregadas de estereótipos machistas, invisibilidade feminina, desconsideração com seu potencial criativo e produtivo, naturalização de tarefas domésticas como sendo de sua exclusiva responsabilidade, cancelamento da palavra dentre muitas outras formas de violência.

 

Algumas denominações religiosas chegaram ao ponto, nos últimos anos, de fazer uma defesa tão explícita de uma pretensa inferioridade feminina que baixaram resoluções oficiais, nas quais mulheres são proibidas de se manifestarem publicamente nas igrejas, seja por meio de orações, seja pela pregação da palavra ou, até mesmo, pela evangelização. As violências vão se avolumando na medida em que o conservadorismo e a extrema direita vão alargando seus domínios na seara religiosa evangélica.

 

O aumento da bancada evangélica ultraconservadora aponta para a possibilidade de que os espaços de liberdade das mulheres se vejam restringidos e que elas tenham seus direitos cada vez mais violados.

 

A percepção do aumento da violência de gênero nos últimos 12 meses é da ordem de 65,2% entre todos os participantes e de 70% entre as mulheres. Mais de metade dos entrevistados (52%) presenciou algum tipo de violência contra as mulheres no último ano.

 

Por que as mulheres continuam a ser violentadas e mortas por homens que, em algum momento de suas vidas, fizeram parte de seu relacionamento íntimo e/ou afetivo?

 

Foram 18,6 milhões de mulheres vítimas de algum tipo de violência em 2022. As mulheres não têm paz para se desenvolverem livremente. A cada minuto, 14 mulheres foram agredidas com tapas, socos ou chutes. Enquanto isso, no ano de 2022, quase 6 milhões sofreram algum tipo de violência sexual ou foram obrigadas a manter relações sexuais de forma forçada e, portanto, violenta.

 

O padrão cultural brasileiro de silenciar diante das violências, fomentado, seja pelo medo, seja pela vergonha, seja pelo estímulo da turma do “deixa disso”, causa enormes prejuízos à saúde física e mental das mulheres, bem como ao seu desenvolvimento pessoal e profissional pleno.

 

O pacto de silêncio estabelecido e imposto às mulheres por uma sociedade machista e patriarcal é uma injusta fonte de dor e sofrimento para elas e uma perda considerável de oportunidades para a humanidade.


 

* Elda Bussinguer é presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV.

 

Publicado pelo Jornal A Gazeta (ES), edição de 07/03/2023, veículo no qual a Profa. Dra. é colunista.

 

 

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